Friday, June 29, 2007

ULLA HAHN


Ele vem

Comprar: suco de cereja espinafre e

batatas novas aspargos não aquele

ainda tá caro né pensando bem

meio quilo de aspargos por favor.


Ó meu deus: pro cabeleireiro a cor

tá desbotando. Essa no lugar

de mógano-vermelho só na

frente curtinho.


O vestido caiu como uma luva: mas

o jeans fica mais justo azul

ele prefere e preto

então azul-preto.


O relógio tá certo: não mais uma vez isso

o Trio de Beethoven na segunda frase

a campanhia eu abro a porta

você cegou cedo?


Er kommt

Einkaufen: Kirschsaft Spinat und/neue Kartofel Spargel nicht der/ist noch zu teuer oder ach was/zwei Pfund Spargel bitte.
Oh mein Gott: dem Friseur ging/die farbe aus. Nehm ich statt /Rot Mahogoni nur nicht/vorne so kurz.
Wie angegossen das Kleid: aber/die jeans sitzt straffer blau/liebt er und schwarz schön/also schwarzblau.
Steht die Uhr: nein noch einmal das/Beethoven Trio im zweiten Satz geht/die Klinge ich öffne die Tür/du schon da?


de HERZ ÜBER KOPF, 1981. Trad. Adalberto Müller


Wednesday, June 27, 2007

ECLUSA

(Eclusa do Kanal, Muenster)


A ECLUSA

Sobre todo esse seu
luto: nenhum
segundo céu.

……………

Em uma boca,
para a qual havia uma milpalavra,
perdi –
perdi uma palavra,
que me havia restado:
irmã.

No
politeísmo,
perdi uma palavra,
que me buscava:
Kaddisch.

Pela
eclusa tive que trazer
a palavra ao fluxo do mar
transpor e salvar:

Jiskor.

Paul Celan - Trad. Adalberto Mueller
(Kaddish eh uma oracao de louvor a Deus. Jiskor eh uma oracao que fala da morte, rezada normalmente em silencio)

Saturday, June 23, 2007

SKULPTUR PROJEKTE Münster 2007





(Isa Grenzken)


O que é a arte? O que é uma escultura?Essa mesma pergunta se refaz agora, na Skulptur Projekte Münster 2007, quando são esperadas 600 mil pessoas (o que é significativo, em relação às 700 mil de Kassel, e as 350 mil de Veneza). A fama, contudo, não significa que o sentido e o rigor da mostra tenha se modificado(...)


(Anette Wehrmann)


Um dos trabalhos mais significativos deste ano, e o que tem despertado a indiferença de uns e a raiva de outros, é o do polonês Pawel Althamer. No meio de um parque, um caminho sobre a grama, conduz o “espectador” para uma estrada, e em seguida para uma plantação de trigo, e depois para outra plantação de centeio. Quando menos se espera, o espaço à nossa volta se modifica inteiramente (o caminho tem uns 3 Km), saímos do urbano para o rural, como num passe de mágica. Mas onde é que está, aí, a noção de escultura? Ou de obra? Afinal, como algumas pessoas dizem, “é só um caminho”. E de fato é. Um caminho para se pensar como a arte pode modificar as coisas à nossa volta, e, assim, nos modificar. A escultura não é, em sua essência, uma experiência de modificação do espaço, e, mais do que isso, de modificação do nosso conceito de espaço? Se isso for assim (e acredito que é), Pawel Althamer está, de fato, acrescentando algo a essa experiência.

Trecho de um artigo que estou escrevendo para o Correio.


Wednesday, June 20, 2007

IAN HAMILTON FINLAY

JARDIM E POESIA

Entre todas as formas de que se pode pensar a poesia (lírica, didática, inventiva), e entre os lugares em que ela possa estar (canções, filmes, quadros), a obra do escocês Ian Hamilton Finlay ocupa um lugar muito especial. Finlay foi um dos grandes nomes da poesia concreta européia, mas é nos seu trabalho Little Sparta que a sua obra ganha uma dimensão fora do comum. Little Sparta é um jardim, e ao mesmo tempo é um poema, e quiçá seja um tratado de filosofia. Pois Finlay não apenas recria a antiga arte do paisagismo (jardinagem), mas vai buscar ispiração no “jardim” de Epicuro e dos estóicos. Ao longo do jardim, o visitante pode ir lendo os poemas-sentenças (e às vezes apenas palavras) gravadas lapidarmente em fragmentos de rocha e em pedras, algumas minúsculas.
Mais informações sobre Little Sparta podem ser obtidas no site
http://www.littlesparta.co.uk/





Saturday, June 16, 2007

LAURA ERBER

Laura Erber é uma das poetas que estariam na Antologia de Poesia Brasileira que eu preparei para a revista Cerrados, e que acabou não saindo por razões (bastante) alheias à minha vontade. Agora, é com prazer que publico aqui um poema dessa leitora de Michaux, artista e poeta, viajante, e especialista em poetas que foram estudar a vida subaquática do Sena e não voltaram.


Ela acorda cedo e se sente aberta ao estupro. Não é assim que faz o tatu, o coelho, os roedores em geral, os soldados em tempo de guerra? Ela muda depressa e agora é um alexandrino acentuado em u. Ela pensa em mudar o emprego, em mudar o emprego da língua, ela pensa em cantar o Hino Nacional. Ela viu na televisão um condor que não sente as próprias asas. Ela viu como fazem os répteis e os sacis. A natureza é linda e variada. Ela sonha em se casar com várias espécies de homens. Ela sonha com bichos que dançam e fazem um ruído próprio para o acasalamento. Ela gosta de olhar a pista de patinação no gelo. A terra é redonda, nada é muito longe. Ela não pensa em viajar. Ela está exausta e só pensa em ser feliz. Ela não está nem aí. Ela quer saber sobre as estrelas, sobre coisas mortas que brilham há zil anos. Ela quer saber como Lázaro adoeceu de repente. Ela quer mais açúcar, mais beleza. Ela quer sair daqui. Ela vai até o banheiro. Ela volta. Ela mente um pouco. Ela muda de roupa. O dia termina. Ela abre o leite, parece azedo. Ela engole.



laura erber 2007





A. Mueller

SKULPTUR PROJEKT MüNSTER 2007



a partir de hoje Münster é a capital mundial da escultura. Aqui vai uma amostra, uma instalação da Dominique Gonzalez-Foester

A. Mueller

Friday, June 15, 2007

UMA ESPERANÇA



Aqui na Alemanha está se comemorando o aniversário de 15 anos da TRANSFAIR, uma organização que pode ser um modelo para se lutar contra as desigualdades, a pobreza e a fome no mundo. A TRANSFAIR funciona como uma empresa comercial capitalista transnacional: ela compra produtos agrícolas dos países pobres/em desenvolvimento (como o Brasil) e os revende nos países mais ricos. A diferença, porém, é que a TRANSFAIR compra esses produtos diretamente de pequenos produtores, promovendo o crescimento econômico lá onde as grandes corporações de alimentação não atuam (junto a pequenos produtores). Esse processo me parece extremamente interessante, porque é uma forma de lutar contra o totalitarismo mercantil capitalista globalizado usando as armas desse mesmo totalitarismo, ou seja, o comércio internacional. Talvez seja até uma nova forma de utopia, algo como um “consumo consciente”. Lembra-me uma frase de Ponge que sempre cito: “Já que não se pode mais ser incendiário, o melhor é entrar para o Corpo de Bombeiros e provocar uma inundação” (Está em algum dos “Proêmes”).

O site da TRANSFAIR (infelizmente só em alemão):
http://www.transfair.org/ueber-transfair/ueber-uns.html
PS: A rede de supermercados LIDL revende os produtos da TRANSFAIR.
O suco de laranja e o cafe sao otimos.

Wednesday, June 13, 2007

ÍCARO







talvez
todo esse ruflar
de asas por dentro não
seja mais que um rumor de plumas
não mais que o bater de um músculo
na gaiola do peito não seja talvez
mais que um rumor de penas
não seja isso apenas mais
que cera ao sol
talvez

Adalberto Mueller


Monday, June 11, 2007

CABRAL E O BRASIL



(...)A ascese tão buscada de Joao Cabral, que culmina na “máquina do poema”, é fruto de uma série de "parti pris", estéticos, éticos e políticos. Estéticos, porque toma de antemão o partido de uma poesia antilírica, contra uma tradição, segundo Cabral, demasiado sentimental. Éticos, quando assume o comprometimento da poesia menos com questões pessoais e mais com a realidade social, não se furtando a valer-se de seu caráter didático, para escrever sobre problemas brasileiros, como a miséria ou a mortalidade infantil. Políticos, enfim, porque se converte num projeto coerente e um exemplo de obstinação do correto e do duradouro (“lição de pedra”), num um país onde as obras públicas - como as rodovias - são feitas para durar um ou dois mandatos, onde “tudo parece que é construção e já é ruína”, como canta Caetano Veloso, onde a política virou sinônimo de corrupção e da utilização da coisa pública como patrimônio familiar.

(...)

Adalberto Mueller. Poesia e Midia. In progress.

Sunday, June 10, 2007

LEIPZIG

Como o efeito estrondoso do som dos tubos do órgão da Thomas Kirsche tocando uma tocata de Bach, Leipzig bate na veia. Não pela imponência dos altos edifícios, ou pela curiosa mistura de estilos, que até perturba o visitante mais austero. Mas pelos recantos generosos das igrejas protestantes, pelas curvas graciosas das passagens, pelos pátios onde o sol vem se esquecer dos trópicos, pelo plangido em tantos calibres dos sinos. Em Leipzig pode-se estar passando, de passagem em passagem. Uma cidade cheia de fugas, de estilo fugado e barroco. Claro, o ouro do barroco está em Dresden (dizem), mas Leipzig é a própria pérola barroca. Bela por imperfeita. A beleza não está no detalhe imperfeito no seio da perfeição? Bach devia sabê-lo: apesar de buscar com tanto afinco a geometria dos sons, devia saber que no doce tempero do cravo entra sempre um travo de amargura, como no amor.



Adalberto Müller

Saturday, June 02, 2007

Leipzig

Estarei em Berlim e Leipzig nos proximos dias.

Universität Leipzig
Institut für Romanistik

Kulturstudien brasiliens
Wir laden Sie sehr herzlich ein zum Vortrag von

Herrn Dr. Adalberto Müller
(Universidade de Brasília)


O Cinema Brasileiro


Am Mittwoch, dem 6. Juni 2007,
9.00 – 11.00 Uhr
Brühl, 10. Etage, Raum 1010

Professor Dr. Alfonso de Toro Professor Dr. Eberhard Gärtner
Ibero-Amerikanisches Forschungsseminar Leipzig
Institut für Romanistik

A ROSA ESTRANGEIRA

Rose Ausländer (1901-1988), poeta judia-romena de expressão alemã, nasceu na mesma cidade de Paul Celan, Czernowitz, antiga Bukovinia, hoje Romênia. Foi uma das interlocutoras de Paul Celan. Depois de ser perseguida pelos nazistas, conseguiu emigrar para os EUA. Literalmente traduzido, seu nome significa "rosa estrangeira".


1918


Assim é


Uma dor
envolve
uma outra

Uma alegria
duplica a outra

Um amor
abraça a palava
VOCÊ
inventa a palavra
amor


So ist es

Ein Schmerz /zieht einen anderen/nach sich//Eine Freude/verdoppelt die andere//Eine Liebe/umarmt das Wort/DU/erfindet das Wort/Liebe

A hora da graça


A terra é pequena; a festa, infinita.
Ah vida, a ave que voa te imita.

O caos da vida voga em mar bravio,
E corações afundam, o som vazio.

Ele se foi, como o pó brilha ao léu;
‘Strela cadente na curva do céu.

Bebemos a última gota da taça.
Vivemos sem fim a hora da graça.

Die festliche Stunde
Eng ist die Erde, unendlich das Fest. /O Leben, in fliehende Stunden gepreßt!/Die Wirrnis der Jahre wogt wild wie das Meer/ um sinkende Herzen, die laut sind und leer.//O Freund, in Goldstaub zerstrahlt und verflogen!/O sterbender Stern im stürzenden Bogen!/Wir leerten den Becher bis zum Grunde./Wir lebten unendlich die festliche Stunde.