Friday, June 22, 2012

UMA CASA

se constrói
aos 
poucos
se destrói
aos
poucos 
uma
casa
se


Adalberto Müller

ZURIQUE, NO HOTEL STORCHEN
para Nelly Sachs

Do muito falamos, do
pouco. De você
e do mas-você, do
turvar-se a claridade, dos
judeus, do
seu Deus.

dis-
so.
De dia uma Ascensão, o
mosteiro acima, veio
em ouro sobre as águas.

Do seu Deus falamos, falei
contra ele, o coração
que eu tinha, deixei
esperar:
por Sua alta, Sussurrante, Sua
colérica palavra –

Seu olho me viu, mais longe viu,
a sua boca
falou pelo olho, eu ouvi:

Nós
já não sabemos, sabe,
nós
já não sabemos
o que
vige.

PAUL CELAN
Trad. Adalberto Müller [inédita]

Saturday, April 14, 2012

CUMMINGS

do nosso livro O TIGRE DE VELUDO. POEMAS de e.e.cummings. Ed. UnB.

(a tradução aqui é do Mário Domingues)

um dia um negrão

pegou com a mão

uma tão estrelinha

que nem se imagina

“só te deixo ir embora

se tu me clarear”

ela fez e agora

brilha a noite estelar.

Tuesday, October 25, 2011

Mais Celan

Ficar à sombra
de mil feridas no ar.

Ficar por nada e ninguém.
Desconhecido,
por ti
só.

Com tudo o que há de espaço,
e também sem
palavras.

Paul Celan, Atemwende, tradução Adalberto Müller

Thursday, June 30, 2011

ROSA

nuvens nos olhos

morango boquita

pintada

uma rosa a Rosa a

Dia-

dor-

im

Deus é o caminho

o diabo

está no meio

Thursday, June 09, 2011

FRONTE(I)RA



FRONTE(I)RA


a Douglas Diegues


do que não se pode falar


o que se tranca

num armário de memórias

imagens & odores & sons

um cinema privado

(do outro lado do tempo)

para o qual não se paga

ingresso

e nem se sabe quando

afinal

passa o filme


mas cedo ou tarde

passa


como um trem partindo

na neblina



Tuesday, June 07, 2011

BAUDELAIRE - PAISAGEM

Fui traduzir Paysage para meu livro de teoria da mídia, e deu nisso:

(como é bom traduzir poesia)


PAISAGEM (de Les Fleurs du Mal)

Desejo, para compor castamente minhas églogas,

Deitar-me bem perto do céu, como os astrólogos.

Devaneando escutar, dos sinos, o lamento;

Seus hinos solenes levados pelo vento.

Com o queixo nas mãos, verei da gelosia,

Da fábrica que canta, a algaravia ;

Chaminés e campanários, mastros da cidade,

E o céu aberto, recordando a eternidade.

É doce ver nascer, na luz que se esfarela,

A estrela solitária: a luz numa janela ;

Os rios de carbono rumando ao firmamento,

E a lua derramando o claro encantamento.

Verei a primavera, o verão e o estio ;

E quando a neve branca estiver por um fio,

Deixarei persianas e portas bem fechadas

Para erigir na noite castelos de fadas.

Então reverei horizontes cheios de astros,

Jardins e repuxos chorando em alabastros,

Beijinhos e passarinhos de encantos mil,

E tudo o que o idílio tem de mais infantil.

A Revolta, em vão chegando até a soleira,

Não me fará levantar da minha cadeira ;

Pois estarei absorto no divertimento,

De lembrar da Primavera com o pensamento,

De tirar um sol do coração, e da mera

Tarefa de fazer da Idéia uma atmosfera.


(Trad. Adalberto Müller)


Tuesday, May 17, 2011

DOIS

DOIS

dois corações

batendo em pulsos des-

iguais

dois olhos mirando

outros mares

duas

línguas

para pronunciar uma só e única

palavra.

Adalberto Müller. Rio, 17.05.2011