Sunday, March 27, 2005

DE NEUMARKT À ESCURIDÃO

VOM NEUMARKT BIS ZUR DUNKELHEIT

Stadtbibliothek. À nossa frente guindastes, e a torre da igreja de Hansaring estampando em neon rosa a sentença NOLI SOLLICITUS ESSE. Entre uma taça de café e a primeira cerveja você disse não sei, com olhos que se moviam já a contrapelo da compostura recatada, apenas denunciada pelas mãos trêmulas e pelo arfar do colo sob a camisa de seda estampada com flores. Depois de outra bebida, soltando os cabelos, entre uma e outra palavras, ditas numa língua bárbara, que se perdiam na brisa do verão soprando nas folhas verdes dos jovens olmos que crescem junto à Volkshochschule, sua boca sussurou um pode ser quase inaudível, que caiu nos meus ouvidos como a pétala de uma rosa vermelha sobre a neve. Andamos e nos perdemos por ruas tortas, de Rudolfplatz a Clodwigplatz, de Barbarossaplatz a Friesenplatz, de Friesenplatz à sua cama, e entramos no intrincado dédalo da noite.

Köln, 19.10.2002

Wednesday, March 23, 2005

ApfelO QUE ME FALTA

Duas traduções do poema CE QUI ME MANQUE, publicado no meu livro
Enquanto velo teu sono (7Letras,2003):

O QUE ME FALTA

Uma camisa de bolhas.
Um dia sem noite seguido de uma alvorada vermelha.
Uma gaiola de chuva com um pássaro emplumado de seda.
Um castelo de brumas no Egito.
Uma rosa azul sem haste.
Uma palavra que traduza o rumor de uma folha caindo.
Uma mulher com lábios de maçã.
Um amor sólido como o mar.



WAS FEHLT MIR

Ein Hemd aus Luftblasen.
Ein Tag ohne Nacht und eine rote Morgendämmrung.
Ein Käfig aus Regen mit einem Vogel aus Seide.
Ein Schloss aus Nebel in Afrika.
Eine blaue Rose ohne Stengel.
Ein Wort, dass das Rauschen des Falles eines Blattes in der Luft übersetzt.
Eine Frau mit Lippen aus Äpfeln.
Eine Liebe fest wie das Meer.

Sunday, March 20, 2005

distância

ELOGIO DA DISTÂNCIA
Paul Celan

Na fonte dos seus olhos,
vivem redes de pescadores de um mar demente.
Na fonte dos seus olhos,
O mar mantém sua promessa.

Aqui lanço,
coração que viveu entre os homens,
minhas vestes, e o brilho de um juramento:

Mais negro em meio ao negro, mais estou nu.
Somente renegado sou fiel.
Eu sou você quando eu sou eu.

Na fonte dos seus olhos
derivo e sonho com o saque.

uma rede prendeu-se a outra rede:
separamo-nos envolvidos.

Na fonte dos seus olhos
um enforcado estrangula a corda.

Trad. Adalberto Müller
(A sair na revista "Ontem choveu no futuro")

Monday, March 14, 2005

O VINHO DO LETHES

O VINHO DE LETHES


Pousa uma vez mais
em tuas mãos

a taça

é tempo, é tempo
de beber
o vinho do esquecimento

recolhe as rosas
murchas no vaso
e as pétalas
que amarelam sobre a toalha de renda
solta os cavalos
no carrossel da memória.

é tempo, é tempo
de lançar ao mar
as cinzas
de estancar com lenço
da seda mais alva
as primeiras gotas da tempestade.

Adalberto Müller. Enquanto velo teu sono. 7Letras, 2003.

Thursday, March 10, 2005

VÍTIMA

Noite,
fluxo, espesso,
irrigando as veias,
frias –
lenta, ela tr-
ama,
a oito unhas,
o enredado poliedro
de fios, do meu
destino.

Adalberto Müller
20.02.2005